7. ETHAR E OS CRIADORES DA MATÉRIA

Morri aos 72 anos da contagem terrena dos dias. Quando aconteceu tive a sensação maravilhosa da liberdade plena. Por favor não se impressione com essas palavras. Não pense que a vida deve ser perdida em vão em busca dessa liberdade. Muito pelo contrário. A saúde da morte depende de um profundo valor da vida. Se nossa alma deixa a existência terrena com glória, é porque cumprimos a missão da vida que nos foi dada.

Assim pude ver Agnar dos Nasir partir. Plena, brilhante, mas confusa, relutante, agitada, combalida. A alma sai do corpo como um bebê de um útero. Como um vômito sem fim, uma última e dilacerante força que a carne faz. Todos os músculos, todos os ossos lutam para conter (pela vontade de sobrevivência do indivíduo) e expulsam (pela vontade da natureza) ao mesmo tempo. Uma luta cuja vontade própria, toda a vontade possível, é ínfima diante de tamanha força de explosão do espírito pra fora do corpo. Não é exagero, ao presenciar mais uma vez, em minha condição de existência atual, dizer: é um novo parto! A morte é um novo parto para outra vida. Outra forma de vida.

Com Agnar foi assim. Mas ela não me viu. Nada pode ver. Estava fraca. Foi recebida, atendida por seus ancestrais. Dentre eles, Andir, seu avô, e Josah, seu pai. Me viram, me saudaram, respeitosamente. Não sei exatamente o que sentem ao me perceber perto, mas me saúdam respeitosamente. Levaram a combalida alma de Agnar para tratamento, como quem leva um recém-nascido para uma enfermaria. Porque a morte é isso, neste lado. Um nascimento.

Mas também a morte pode ser o chamado para uma outra missão. E aqui estou exatamente para tentar cumprir este chamado. Quando me desprendi da vida, tive conhecimento de parte de uma fantástica lógica universal que nos rodeia, e que até então nem eu e nem nenhum homem de meu mundo tinham ideia plena. Mais que isso, tive consciência do meu papel nessa lógica: ajudar a salvar alguém que só nasceria 15 anos após minha morte. Não sei de onde vem essa consciência, não tenho na memória qualquer momento, qualquer fato que me leve a isto. Ou seria sentimento? Nesta condição que me encontro, é difícil classificar memória, consciência, sentimento...

Ela precisa de mim, precisa que eu cumpra minha missão para poder viver. Seu nome é Ingrid e a sua salvação está aqui, em Sideron. Um mundo devastado e sem esperanças.

Aqueles que nasceram no planeta Sideron há menos de 40 anos tem suas mentes tão normalizadas na depressão e no sofrimento que talvez não tenham a dimensão correta do que vivem. Eles não conheceram os avanços, as conquistas das civilizações da Sideron próspera. Os mais velhos sim, e eles sabem exatamente o que é o momento pós guerra que o planeta se encontra.

A Guerra do Universo chegou em Sideron no ano de 4200 e destruiu o planeta durante 13 anos. De toda a destruição causada por esta guerra a pior de todas foi a da alma do povo que sobreviveu. A eles foi revelado o criador do homem em Sideron. E não era Ethar, seu Deus, seguido e acreditado pela maioria das civilizações, mesmo mudando de nome entre elas. Era um mortal, um alienígena. Um povo de outro planeta havia construído toda a matéria orgânica de Sideron e habitado com animais e homens o planeta através de inúmeras experiências genéticas e biológicas por milênios. Ethar caiu em descrença. Para muitos, passou a ser uma lenda para alimentar esperanças, causar temor, mostrar caminhos... Um ser mitológico criado pelo imaginário de Sideron para explicar com palavras sagradas algo sem explicação até então. Uma outra divisão se faz no mundo, entre os que mantinham sua fé e os que acreditavam no Deus alienígena, difundido ainda quando existiam as grandes redes de comunicação. A queda de Ethar agravou a crise de valores. Foi pior do que qualquer bomba lançada.

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